É cada vez mais indignado que leio certas matérias. Leia-se
indignação como olhar crítico, indispensável a qualquer ser pensante, visto que
a intenção da mídia é formar opinião em torno de assuntos cujo viés ela
manipula em detrimento de uma imparcialidade, inexistente vinda de um
dispositivo governamental, e veracidade implacável à prova de qualquer
constatação.
Assim sendo, é necessário ir aos
fatos e levar em consideração a assertiva de Simone de Beauvoir: “O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos.” Mencionar oprimido
não é vitimizar-me ou achar que eu ou qualquer outro professor da educação
básica estadual ou municipal seja estropiado ou coitadinho, tampouco uma tácita
aceitação da lógica marxista da relação entre opressor e oprimido; pelo
contrário, é entender-se singular na pluralidade, tal qual proposto por Hannah
Arendt em A Condição Humana.
Para Arendt, “o discurso
corresponde ao fato da distinção e é a efetivação da condição humana da
pluralidade, isto é, do viver como ser distinto e singular entre iguais.” Desse
modo, na vita activa, vivo minha inquietude,
desassossego, ocupação que é, ao menos, escrever para sentir-me verdadeiramente
“livre” e é nesse esteio a noção de indignação, que para os partidários de que
tudo na rede estadual está (a um passo de) um Éden, pode parecer inveja ou,
modernamente falando, recalque.
Antes de prosseguir, gostaria de agradecer aos colegas e
amigos (de profissão e da vida) que têm lido este espaço, tanto pelas 3.161
visualizações, quanto pelas palavras de encorajamento e hombridade acerca do
que é relatado aqui.
Ao abrir meu webmail
da Secretaria de Estado da Educação, deparo-me com a seguinte manchete: Professor da rede estadual cria projeto
pioneiro que prepara alunos para o ENEM, datada de ontem (09-05-2015). Seja
porque viva em uma relação estável com o exame desde 2006, seja porque é
interessante prestigiar ações que deram certo, li e reli a matéria e conversei
com alguns colegas de profissão acerca do conteúdo ali florilegiado – desconsiderando, obviamente, os espinhos... Ah, os
espinhos!!!
Primeiramente perguntei-me porque levara dez anos até o professor
colocar em prática um sonho (sic!) de ensinar “literatura, redação, música,
produção de textos, entrevistas, gravação de programas e interação com as redes
sociais”. Sinceramente não sei se é o jornalista que escreveu isso ou a
inocência do sonhador, que finalmente realizara seu sonho (e como sonhar é
importante!!!), o desvinculamento das “coisas” desarticuladas dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (de Língua Portuguesa), por exemplo.
Música, por exemplo, é uma disciplina para ser lecionada por
licenciados em Música e a UFS já vem há algum tempo com um PIBID nesse sentido,
cuja supervisão assumi por quase um ano no Colégio de Aplicação. Jamais faria
eu o que aqueles bolsistas eram capazes de fazer.
Quanto à interação com as redes sociais, há alguns bons
anos, a DITE tem oportunizado o curso Tecnologias
na Educação: ensinando e aprendendo com as TIC, que fiz no laboratório da
Escola Tobias Barreto há vários anos. Perguntei-me o porquê de, após tantos
professores certificados, entrega de tablets da POSITIVO defasados, ninguém
havia “pensado” em tal projeto “pioneiro”.
Segundo nosso léxico, pioneiro é “aquele que primeiro abre
ou descobre caminho através de regiões desconhecidas”, mas desconhece a
Olimpíada de Língua Portuguesa e suas inúmeras edições o professor em tela ou o
jornalista da SEED? Não sabem esses indivíduos que a própria Olimpíada, através
do CENPEC - Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação
Comunitária e sua Comunidade Escrevendo o Futuro, oferece formação para
projetos de multiletramentos e que estes, com todo respeito ao conterrâneo e
quiçá parente distante Paulo Freire, têm sua origem no Grupo da Nova Londres e
são baseados em três pilares: prática de letramento local (o interesse dos
alunos), gêneros (entrevistas, crônicas, memórias, poemas etc ) e
multimodalidade, ou seja, combinação de diferentes linguagens, atrelando assim
empoderamento de um instrumento (o gênero) através de elementos culturais e da
linguagem mista?
O objetivo de preparar o aluno para o ENEM é algo que deve
ser tomado ao longo de toda a formação do indivíduo. É como semear no deserto
fazer isso no terceiro ano. É como desperdiçar dinheiro, como vem fazendo o Governo do Estado
com o Programa “político-partidário” Pré-Universitário ligado ao DASE. Por que
desperdício do erário? Porque esta formação deve ser feita ao longo de toda a
formação do indivíduo – reitero e não numa etapa em que ele já vota e pode
servir para fins estatísticos. Quando o modelo de ingresso nas universidades,
antes do SiSU ainda era o vestibular, certamente umas boas dicas de resumos de
livros, fórmulas, aulas de redação etc funcionassem, mas os tempos mudaram e
com eles a educação, não.
Curiosamente, também há 10 anos que estou na rede estadual.
Da sala que assumi em novembro de 2005 para hoje em dia, quase nada mudou ou
mudou para pior. As salas continuam as mesmas com novos alunos e mais alunos
(há turma onde tive 55 alunos matriculados – possuo exatamente 268 alunos),
contrariando a cifra de 120 alunos do professor do “projeto pioneiro”. Esses
120 também correspondem a 03 turmas de 40 alunos, visto que são 04 aulas de
língua portuguesa por semana; portanto, metade da carga horária obrigatória de
um professor com esse tempo de experiência na rede estadual.
Como acredito que uma educação de qualidade não se faça
dando condições especiais de trabalho a indivíduos diferentes, ou mente a
matéria ou mentiu o professor e o sonho, invés de real, é idílico e para a
mesma tende a convencer a população de que basta apenas inovar e de que o
problema está com e no professor. Basta inovar e os problemas da educação
acabaram...
Não sabem vocês que a sala de aula de 10 anos para cá nada
mudou, exceto essa do professor do D. Luciano, talvez desconheçam que
superlotam salas de aula onde é praticamente impossível transitar por entre os
alunos, dando-lhes alguma assistência, que a refrigeração também é um luxo apenas
da sala de aula dessa instituição, pois, carinhosamente onde trabalho, dizemos
que estamos em uma sauna e, por estarmos sem trajes adequados, passamos mal.
No último ranking divulgado
pelo INEP, o de 2013, apenas uma instituição pública (federal) mineira aparecia
dentre as 30 melhores instituições do país, das 30 sergipanas, apenas duas
(também federais) aparecem como boas: Colégio de Aplicação da UFS e IFS-Campus
Aracaju. O Éden em tela ficou em 8.118º no mesmo ranking com uma média 495,70. Realmente, muito melhor que o 11.991º
lugar que obteve a instituição onde trabalho, carinhosamente chamada de Calor e
Selva.
Como uma educação de qualidade não deve ser para um grupo
seleto, mas para a grande maioria, dados do INEP referentes a 2013 no tocante à
produção de textos revelam que no Éden se obteve uma média de 549,88 e 496,08
no Calor e Selva, ambas aquém do mínimo esperado pelo INEP – 600,00 para que se
fique no nível 3, considerado bom (de 5 – tido como excelente). Disso, deduzo
que, de fato, estudar no Éden é mais profícuo que no Calor e Selva.
Sim, Dª Seed e Sr Secretário de Estado da Educação, nós
sabemos tanto pensar, refletir e contemplar, quanto nos afastar da vida activa
também, deixando nossa condição de escravos (na concepção grega) e
desumanizados em matérias como estas, que elevam à categoria de super-herói uma
ficção bem bolada, à condição de homens e mulheres que sabem como mudar a
educação e torná-la de qualidade, mas não há respaldo estrutural (salas
superlotadas e quentes), didático (ambiente escolar sucateado e nada moderno) e
financeiro (vocês, afinal, confundem piso com teto e se negam a conceder o
reajuste de 2012 e o de 2015). Não me admira que a gente queira lhes mostrar o
ouro no fim de arco-íris, mas vocês só queiram ver a fachada da escola pintada
e o ponto eletrônico implementado. Muito me admira que o Ministério Público
ainda não tenha determinado o cerramento das portas de alguns estabelecimentos
até que tenham plenas condições de funcionamento.